LEGADOS DA COPA – PARTE 2


Por Danilo Rizzo – Penso que nem os mais empolgados torcedores croatas, incluindo eu, esperavam que o selecionado dos Bálcãs chegaria onde chegou. Algo que não explicitei no artigo LAGARTO PAUL é que eu torço pela Itália e pela Croácia... Algo de família que não precisa ser tratado aqui. Pessoalmente esperava um bom desempenho dada qualidade dos jogadores e por ser um viúvo declarado da geração croata que foi terceira colocada na Copa de 1998, mas efetivamente não esperava esse vice-campeonato. Tanto que, assim que eliminamos a Rússia nas quartas-de-finais, dei como concluída a missão, pressão zero dali para a frente, já que a vitória nos colocou entre os quatro melhores de um Mundial novamente.

Em que pese o extraordinário resultado, não é sobre o futebol das quatro linhas que quero falar, mas sim, o que, em termos humanos, o desempenho da seleção croata nos deixa como legado.

Apesar do Reino Croata ter sido fundado em meados do século VII, a história recente, mais precisamente a partir do século XX, nos mostra que a Croácia viveu consequências que afetaram e afetam seu povo até hoje... Era parte do Império Austro-húngaro até a WWI, depois dela foi incorporada pela Iugoslávia, e só em 1991 tornou-se um estado independente novamente. E esse vai e vem de dominação e violação étnica cunhou o que hoje é esse pequeno país de 4 milhões de habitantes.

Mas o que a trajetória croata enquanto país tem a ver com seu selecionado? Tudo, eu diria. Eles são, na esfera esportiva, extrato de toda essa história. No fato de não se entregarem, de avançar prorrogação após prorrogação, mais que qualquer outro selecionado, se acomoda num espírito guerreiro cunhado pelas dificuldades. Enquanto a guerra de independência se avizinhava, enquanto Zvonimir Boban - o camisa 10 croata em 1998 – se digladiava com policiais Iugoslavos no campo do Maksimir Stadium, depois que a violência da torcida do Estrela Vermelha explodiu o ódio entre sérvios e croatas em um jogo do campeonato local de 1990, episódio conhecido como "o chute que iniciou uma guerra", boa parte dos hoje vice-campeões mundiais eram crianças, alguns recém-nascidos, outros com três, quatro, cinco, seis anos. Alguns, com suas famílias, conseguiram refúgio em países do oeste europeu, outros tentaram mas tiveram que retornar em meio à guerra. Quem ficou na Croácia, viveu todos os horrores de uma guerra moderna. Perderam país, avós, irmão, amigos, casa, escola, e quase perderam seus futuros. Talvez não tenham perdido a vida no conflito apenas porque estavam destinados a estar em campo no último dia 15 de julho.

Não podemos dizer que sabemos o que sentiram as pessoas que passaram por guerras civis, não por menos digo que nunca devemos dizer “eu sei o que você está sentindo”. Todos temos nossos demônios, só nós sabemos quão pesados são nossos fardos, mas assim como demônios e fardos, nossa vida, e o que fazemos com ela, está nas nossas mãos. Aqueles meninos que viram vários futuros e vidas serem ceifados pela guerra, reagiram de alguma forma, cresceram num país que teve que construir um novo futuro, quadriculado em vermelho e branco, e superaram a colocação de seus ídolos duas décadas depois. Foi por isso que eles correram tanto, se doaram tanto, lutaram tanto... E para sorte deles, um ‘campo de batalha’ muito menos hostil.

Costumamos condicionar vitórias a algo material como um troféu, uma medalha, dinheiro, bens. Para muitos, no entanto, estar vivo é uma vitória. Não ser uma vítima de guerra é uma vitória. Entrar no seu campo de batalha diário e dar tudo de si, é uma vitória. O retorno para casa nos braços de seu povo, como se recebessem heróis de guerra, reconhece esse esforço. É um sentimento nacionalista que nenhum brasileiro experimentou, e que portanto não pode ser rotulado ou classificado.

Aos gladiadores que vestem quadriculado, obrigado pelo exemplo e por mostrarem, num dos maiores palcos esportivos, que por trás de uma derrota, há uma imensa vitória.

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