GRANDES QUESTÔES DA HUMANIDADE: CHEFE X LÍDER

Imagem: toddnielsen.com
Por Danilo Rizzo – Em recente aula sobre um dos assuntos chatos os quais eu trabalho, ao tratarmos sobre objetivos de área e aderência ao planejamento estratégico corporativo, o professor convidou a sala, a lermos os capítulos XXII e XXIII do Príncipe, de Nicolau Maquiavel. A provocação surtiu discussões pontuais que perduraram por todo o dia de aula. De minha parte, problematizar a filosofia me atrai, mas o livro em questão me incomoda, desde sempre, ainda mais quando o tom dado é o de que o príncipe tem sempre razão. Quando Maquiavel fala de líder, estabelece uma figura de poucos escrúpulos, que pensa agir bem quando se perpetua no poder. Dita que a melhor maneira de conservar o poder é através da legitimidade, do aplauso de reconhecimento do liderado e, quando não há aplauso, é permitido exercer a força, eliminando o subordinado insatisfeito. Enquanto o bom chefe pensa no bem estar de todos, o líder de Maquiavel só se preocupará com o bem estar de todos quando isso for condição para seu sucesso. Penso que esse modelo, apesar de muito presente, precisa ser superado.
Começo ponto termo a provocação do título... Entre chefe e líder, não vejo diferença. Ambas referem-se à posição de comando, na tribo ou na empresa. Para mim, o caráter negativo dado à palavra ‘chefe’ e a exaltação do ‘líder’ é mera manipulação de quem tem algum tipo de interesse nisso... mais ou menos como a falácia da qualidade de vida.
Há algumas semanas, neste mesmo blog, vocês foram apresentados à ideia de entropia e sobre a irreversibilidade de qualquer sistema caminhar para a desordem e para o caos. Neste cenário, o conflito é sempre iminente, pois somos desejantes, ambiciosos, cheios de vontades e pretensões, e sabemos que o mundo tem suas limitações... Não tem mundo p/ todo mundo. O contraponto entre a raridade de mundo e da abundância de desejo predispõe qualquer ambiente à guerra de todos contra todo. No ambiente selvagem é assim, basta assistirmos um programa no Animal Channel e constatar que o natural é a guerra, o natural é a destruição de um pelo outro. A conquista de bom líder aqui é a orientação para o desenvolvimento das relações interpessoais criando uma harmonia, sempre artificial. Importante ainda que cada espaço social tenha capacidade de arejamento, no sentido de que novas lideranças possam surgir. O estudo da entropia diz que um ambiente sem mudança está fomentando a revolução. Cabe ao bom líder antecipar as condições de sua herança e sucessão, fomentar esse arejamento para permitir uma saída, e dar clareza as pessoas sobre o que é preciso fazer para sair da condição de dominado e assumir a condição de comandante. Quanto mais claras essas informações, menos caos e menos revolução.
Provavelmente o primeiro relato conhecido de um comandante criando ambiente harmônico, foi quando Zeus distribuiu seu poder. Delegou os oceanos a Poseidon, o céu a Urano, a vida selvagem a Artêmis, etc., entendendo que estes seriam as melhores figuras para tomar decisões sobre os assuntos os quais eram responsáveis. Zeus concedeu a seus subordinados, soberania deliberativa, claro que limitada ao tempo e ao espaço que ele, o comandante, determinou. O que fica demonstrado que o líder não é aquele que necessariamente tem mais competência que todos sobre todos os assuntos, mas sim, aquele que deve entender que seu subordinado o supera em determinada atividade. O chefe virtuoso consegue descobrir, extrair e alinhar o que cada um tem de melhor, e permitir que seu subordinado viva, corporativamente ou não, de acordo com essa competência. A preocupação de todo líder, portanto, é propiciar que cada um encontre seu papel, pois o contrario disso é ruído e angustia.
Infelizmente o modelo de comando que se proliferou é baseado no cinismo e na falta de humildade. É aquele líder que se acha superior, que cria um ambiente onde todos poder falar, mas quem decide é ele, não se importando com o que os outros tenham dito. Não à toa, crescer as estatísticas demonstrando que as pessoas se demitem não pelas empresas, mas por suas lideranças. Um líder sábio é contrariado por seu subordinado entendendo que este conhece melhor o assunto, e se alegra não apenas por sua excelência, mas também pela excelência de seus subordinados. Ao tirar a soberania do comandado, também desaparece a vontade da busca pela excelência, o entusiasmo pelo aperfeiçoamento. Se o chefe decidirá de qualquer forma, porque eu vou me esmerar, minha opinião não vale nada? Um ambiente liderado pelo cinismo fabrica uma equipe que se apreça a descobrir o que o líder pensa, simulando um alinhamento e abrindo mão da criatividade, da inovação e das melhores práticas. A vaidade desse comandante faz esquecer que varias pessoas pensando é sempre melhor do que uma só, e também afasta dele o reconhecimento, a legitimidade e a aceitação, riquezas não financeiras, mas sociais, atributos de todo bom líder.
Ao final daquele dia de aula, não havia mais incomodo. O professor propiciou momentos de compartilhamento de experiências e contraposição de opiniões e, com notável competência, afastou algumas rusgas minhas com o texto de Maquiavel. Pude concluir que sem a devida atenção, nossas imperfeições sempre nos aproximarão do modelo maquiavélico, estando no comando ou sendo dominado, quando precisamos, para amenizar um caos inexorável, nos mostrarmos humildes, espontâneos e amorosos.

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