LEGADOS DA COPA – PARTE 1


Por Danilo Rizzo – Dia desses levei a família até o bairro da Liberdade, em São Paulo, berço da imigração nipo-chino-coreana em terras brasileiras. Gostamos da culinária oriental, minha filha é fã de Kpop, e achei que seria um passeio divertido para todos. Durante nossa estada, notei quão forte são as culturas dos países cujos imigrantes lá estavam, e como nós brasileiros respeitamos e absorvemos nuances dessas culturas. Sinal de que aquele nacionalismo xenófobo não está presente. Também encontrei alguns negros vendendo artigos pelas ruas e, enquanto a família se divertia nas incontáveis lojas, eu prestava atenção neles, nos negros. Percebi que a maioria não falava português, e os que falavam, tinham um carregado sotaque de Portugal... Quase dialético. A maioria não quis papo quando mostrei mais interesse nas origens deles do que nas coisas que vendiam. Os que falaram, haitianos e angolanos, se disseram felizes por estarem no Brasil. Perguntei há um deles se ele havia sido bem recebido pelos brasileiros com quem teve contato e ele me respondeu seu usar palavras, apenas abriu um largo sorriso, repleto de dentes brancos.

Especialmente nos grandes centros mundiais, vemos essa mistura de raças convivendo de forma mais ou menos harmônica. É uma característica da globalização e do apetite humano por guerra e poder. Se aqui no Brasil dificilmente vemos violência direcionada a uma etnia, não podemos afirmar o mesmo de outros lugares. O Brasil é um dos países mais seguros, no sentido étnico, para se emigrar. Muito provavelmente porque nossa relação com o próprio país não é tão próxima, e porque não percebemos grandes influências dos imigrantes em nosso dia-a-dia. Outros países, no entanto, recebem imigrantes talvez como se fosse um karma, na medida em que, em algum momento na história, esses povos colonizaram nações mais pobres.

A seleção francesa, campeã mundial no último domingo, é um retrato disso. O esquadrão comandado por Didier Deschamps é composto por jogadores de origens em 18 países diferentes: República Democrática do Congo, Filipinas, Mali, Haiti, Martinica, Mauritânia, Senegal, Argélia, Espanha, Itália, Angola, Camarões, Guiné, Marrocos, Togo e Guadalupe. Dos nascidos na França, a maioria é filho de imigrantes, e Mandanda e Umtiti nasceram no Congo e em Camarões, respectivamente. E se voltarmos um pouco no tempo, lembraremos que Zinedine Zidane, pilar do primeiro título mundial francês, é filho de argelinos e, se voltarmos ainda mais, Michel Platini, outro estandarte dos le bleu, é filho de pais italianos.

Não são poucas as histórias que lemos, assistimos e ouvimos sobre como a França historicamente trata seus imigrantes. Da mesma forma que por aqui nosso nacionalismo aflora a cada 4 anos, e não por causa das eleições presidenciais, mas pelas Copas, pelo mesmo motivo, as náuseas sociais criadas pela imigração se atenuam na França. A atual seleção francesa pode e deve ser exemplo para que esses desconfortos não voltei a dominar as manchetes; pode e deve ser exemplo de que não somos melhores sozinhos e que há virtudes e talentos em toda parte; pode e deve ser exemplo de que devemos estender a mão para diminuir a dor alheia, e não transformar uma experiência ruim em algo pior.

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