FAÇA O QUE MANDO E FAÇA O QUE FAÇO!

Por André Silva - Ainda tenho muitas lembranças de meu pai, trabalhador, sisudo. Invariavelmente, durante dia e noite, ele cultivava o prazer das tragadas para relaxar-se dos problemas de uma época um tanto implacável com qualquer operário. Assim como muitos outros pais de família, ele se desdobrava para sustentar sua casa e driblar a terrível dificuldade em lidar com o dinheiro, porque, simplesmente, após algumas horas de tê-lo recebido, já não valia quase nada. O desespero de meu pai podia ser notado nas cortinas de fumaça deixadas pela casa e pelas brasas do cigarro que muito rapidamente se aproximavam de seus lábios. Não era para menos, pois qualquer cidadão de bem naquela condição não conseguia encontrar forma de relaxar da agonia de ver o seu dinheiro ir embora, exceto que não fosse aproveitando o máximo do seu ‘pito’ até consumir os filtros das marcas disponíveis, ou, quando possível, paravam por um tempo nos botecos para afogar-se no ‘rabo-de-galo’. Apesar de tudo isso, lembro-me que ele sempre me dizia, em tom de desespero e de imploro: “Filho, por favor, faça o que eu te mando, e não faça o que eu faço!” (Obviamente ele se referia a não me ater ao cigarro).
Imagem: pedrocabralfilho.blog.uol.com.br
Este trecho de minha infância foi rememorado quando recentemente ouvia uma das rádios de São Paulo, o âncora mencionando uma matéria do Estadão, em referência a uma visita ao Brasil, em 2012, do atual primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, quando era apenas líder do partido radical de esquerda. Na ocasião, Tsipras se reuniu com a presidente Dilma e com o ex-presidente Lula para entender o nosso modelo político e econômico, a fim de buscar conselhos e apoio contra a proposta de austeridade sendo imposta à Grécia e para alguns países da Europa. Segundo o ex-presidente, a Grécia poderia sair da crise – e a Europa de uma forma geral - sem sufocar o trabalhador, não por medidas de austeridade, e sim por um modelo econômico proposto como o que vigorava por aqui desde o mandato do ex-presidente: expansão do crédito, consumo, e tudo o mais que ouvimos nos noticiários. Afinal, pelas próprias palavras de Lula, o Brasil, em 2008, passou apenas por uma “marolinha”.
Certamente o Brasil não vive uma situação tão complicada quanto a da Grécia, porém sabemos que a “marolinha” dita ao primeiro-ministro tem parecido se transformar em um tsunami, e como dizem alguns pessimistas: “Estamos no meio de um filme de terror cuja a linda carruagem está se transformando em uma abóbora.”. Horror que é vivido nos bastidores, principalmente pelas classes C, D e E - as mesmas que foram beneficiadas pelo conto da carochinha - e fogem do monstro da inflação, que se avizinha à casa de dois dígitos. Elas tem sentido as dores das mordidas no dinheiro com mais intensidade, pois, no dia a dia, sofrem com a queda do poder de aquisição, deixando itens que costumeiramente eram vistos na sua cesta de compras, para que o mesmo custo se mantenha, ao menos, concentrado aos básicos. No entanto, à medida que a mordida aumenta, é possível ouvir os gritos desconfortantes nos resultados de pesquisa de opinião... Óbvio!
Em alguns casos isso tem sido até bizarro, pois imagine uma lanchonete, situada na avenida Ipiranga com a São João, cujo garçom está literalmente gritando como se fosse um camelô, pedindo para que os que ali passavam experimentassem um determinado produto - engraçado ou não, na ocasião era uma coxinha. Imagine ainda que, ao andar uns metros mais à frente, é possível saber, de uma gerente, que sua lanchonete teve uma queda de mais de 40% no atendimento, e outra filial, há algum tempo, não recebe clientes como recebia meses atrás. Pense também que os taxistas da maior metrópole do Brasil tem trabalhado mais horas para conseguir obter o mesmo ganho - mesmo assim não garantido, e segundo eles próprios: “Nestes dias, uma viagem de táxi é luxo.”. Isso não é menos curioso do que ouvir de um primo, também dado ao prazer do cigarro, que precisa fumar menos, não porque deseja parar, mas porque precisa aproveitar milímetro a milímetro do cigarro, já que talvez nem isso ele consiga comprar daqui alguns dias, pois a concorrência pelas bitucas jogadas nas ruas parece aumentar.
Felizmente ainda não procuramos bitucas pelas ruas para economizar no cigarro, e me parece que o povo grego também não, no entanto, além de tentarmos driblar os enjoos dessa marola que não passa, precisamos também aprender a dar conselhos, pois diferentemente de meu pai, que tinha consciência de sua incapacidade de lidar com o vício e repetia o seu mantra a fim de me proteger, parece-me que o orgulho exaltado de nosso ex-presidente, se fizesse posse do discurso de meu pai, o faria como algo do tipo: “Faça o que mando e faça o que faço!”.

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