HUMAN FACTOR, EPISÓDIO 12 - THANK YOU AND GOOD NIGHT

Foto: hollywoodreporter.com
Por Danilo Rizzo – Nossa percepção de qualidade das coisas não se basta na coisa em si, nos valemos, inconscientemente, de toda experiência relacionada ao consumo. Esse é um simplório ponto de vista técnico quando estudamos comportamento do consumidor, mas esse conceito é muito abrangente, se aplica basicamente a toda e qualquer experiência que tenhamos em vida. Minha relação como telespectador de David Letterman ilustra muito bem essa teoria.
Ele se aposentou, por escolha própria, na última quarta-feira, depois de 33 anos de carreira. Li algumas crônicas sobre sua aposentadoria, e em sua maioria, textos respeitosos que elevam David ao patamar que entendo que ele merece estar. “Fim de uma era” alguns escreveram, “O último dos titãs” disseram outros. Li, das mais variadas formas, que Letterman reinventou o talk show, mas eu não sei, não sou crítico como meu primo @sergiorizzo, portanto vou manter-me na confortável posição de telespectador, reverenciando-o como um fanboy.
Minha primeira reverência data de meados da década de 1990, quando alguns de nós passamos a acessar conteúdos internacionais através da Tv a cabo. Em 1993, Letterman deixara Los Angeles, a NBC e o The Tonight Show, e estreava o The Late Show, na CBS, em Nova Iorque. Em 1994, a atração era transmitida por aqui pela HBO, não me lembro se antes ou depois de O Crítico, desenho animado que recomendo fortemente. Naquela época, eu com 14 ou 15 anos, não tinha muito discernimento para avaliar a qualidade do humor e do conteúdo oferecido por Letterman, até porque o inglês ainda não estava totalmente dominado, mas assistir ao O Crítico e terminar a noite com o The Late Show era uma rotina diária de meu pai e minha, um compromisso entre nós. Na vida de cada um de nós, temos objetos, cheiros, lugares, situações que nos faz lembrar de pessoas amadas e, para mim, a voz de Alan Kalter anunciando o início do programa, a vinheta do The Late Show e a figura do Letterman, me fazem lembrar meu pai e nossos momentos de riso solto.
Outra reverência é que o show serviu sempre como uma janela para os Estados Unidos. Letterman tem ritmo e humor tipicamente americanos, e eu gosto disso. Acidez, cinismo e ironia regados por uma incontinente veia politicamente incorreta, construíram programas memoráveis, entrevistas brilhantes, quadros hilários, e épicas performances musicais e stand up comedy. Biff Henderson, Paul Schaffer, Rupper Jee, David usando meias brancas com terno... tudo muito americano.
David foi homenageado diversas vezes, de diversas formas nas últimas semanas. O último programa foi puro, emotivo, não houve destaque maior do que ele mesmo... Ao melhor estilo “estou me aposentando e a estrela sou eu”. Nem mesmo o pronunciamento do atual e dos ex presidentes americanos no início do show ofuscaram Letterman. Confesso que por vezes me surpreendi com a humildade com que David se referia a tudo e a todos. Talvez uma humildade forçada, ou talvez uma humildade cultivada durante 68 anos de vida e aflorada após seu infarto, e pelo nascimento de seu único filho, Harry, que pelas próprias palavras de David, é o que lhe importa agora. Impossível não notar a mudança de feição quando Letterman falou e acenou para seu filho, na plateia... Cara de pai bobo. Por trás de um irretocável profissionalismo, senti sinceridade em tudo o que ele disse. No último dia em cena, ele conseguiu reunir estrelas de primeira grandeza, pessoalmente, para lhe falar o que gostariam, mas nunca puderam, e isso foi hilário. Trouxe a público uma história pessoal e comovente entre ele e a banda Foo Fighters, última atração do show sob o comando de Letterman. Talvez por tudo isso, eu tenha sentido sinceridade nas palavras dele. O último show foi o mais humano de todos.
Para mim, David Letterman é icônico. Ajudou sobremaneira a construir o americanóide que sou. Ele parou no topo, como manda a cartilha. Sentirei saudades das risadas, as minhas e as dele, dos top 10 sem sentido, e do emblemático “Thank you and good night”.

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