HUMAN FACTOR, EPISÓDIO 11 – ENTRE ABRAÇOS FALSOS

Por Danilo Rizzo – Somos modificados pelo mundo minuto após minuto, assim como os modificamos, minuto após minuto. Gostaria de ter tempo para escrever sobre todas as pessoas que me modificam enquanto elas ainda estão vivas. Infelizmente perdi a chance com Antonio Abujamra. 
Peço perdão pelo que vou declarar agora, mas soube da existência de Abu quando ele interpretou o bruxo Ravengar na novela Que Rei Sou Eu, lá em 1989. Tinha meus nove ou dez anos, gostava tanto da novela que colecionei e completei o álbum de figurinhas temático – a vida pré internet era por vezes patética – e tinha orgulho disso. Mas Ravengar me dava medo, por seu cabelo e trajes, por seu tom de voz, e também porque dizia coisas que eu não entendia. E acho que temos um tipo de desejo pelo que nos dá medo pois, de todos os personagens, o que mais me lembro – ou o único que ainda me lembro – é do bruxo Ravengar. Ao longo dos anos fui incorporando o currículo de Antonio Abujamra. Dono de uma das mais sólidas carreiras no teatro, Tv e cinema, descobri que ele era muito maior que o bruxo da novela. 
O reencontro foi no programa Provocações. Que delícia de programa! Abujamra souto, provocando, instigando, questionando, constrangendo, agredindo... Feito um animal em seu habitat natural, bruto, feroz. Que delícia de programa! Essencialmente um talk show diferente de tudo o que a Tv brasileira já teve ou têm. Sob meia luz e ainda tentando entender o speech inicial, vi entrevistas primorosas com gente que igualmente me modificam desde o primeiro inédito encontro... Cortella, Pondé, Karnal, Clóvis de Barros, Rubens Alves, para citar alguns poucos. 
Abu me fazia pensar e chorar, parece que não perdi o medo do bruxo da novela. O que posso fazer se me atraio o discurso pessimista e desesperançoso. Não somos sérios, afinal... Nossa vida não é. A percepção é de que Ravengar tinha muito mais de Abujamra, do que Abujamra tinha de Ravengar. Já disse outras vezes, a máxima de que ninguém é insubstituível não existe, não se aplica... Bullshit!!! Lá se foi mais um insubstituível. A morte de Antonio Abujamra foi sua maior provocação. Seu desaparecimento foi agressivo, ofensivo, sem anúncio, cru... Exatamente como ele nos tratava toda terça-feira. 
Vá com Deus, obrigado por sua obra, e sinta meu abraço, que é a única coisa falsa em nossas vidas.

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