ANJOS E DEMÔNIOS

Por Gerson Moyses - É sabido que a sociedade avança a partir do debate de ideias, desde que se tenha um objetivo comum. Não há opções absolutamente certas ou erradas. O que existem, são situações adequadas a cada contexto, que resultam de mesclas, misturas e combinações do que há de melhor em cada proposta. Em alguns casos temos que ceder, em outros retroceder, e em outros, avançar. São as trocas espontâneas, que adiam o caos absoluto (ou a entropia) do sistema, e promovem a evolução.
Mas, o que temos presenciado, é um crescente abandono do debate e da troca de ideias, e o consequente aumento das polarizações e do radicalismo.
Ilustração criada pelo próprio autor
O radicalismo pode ser definido como ‘uma política doutrinária reformista que prega o uso das ações extremas para gerar a transformação completa e imediata das organizações sociais’. Sempre ouvimos falar em radicalismo islâmico, mas há outros tipos emergentes: radicalismo esportivo, carnavalesco, agrário, político, religioso, etc.
A polarização entre oriente médio e ocidente, por exemplo, se traduz em ataques terroristas e morte dos que são contra, não importando o lado. 
Na última década, a polarização política passou a acontecer de maneira muito mais intensa, também no Brasil. O atual governo propagou a ideia de que há dois tipos de cidadãos: os que são a favor e os que são contra o governo. E essa prática se potencializou na última campanha eleitoral. Ela dividiu (quase que definitivamente) a população do País entre “eles e nós”, e deu mais um duro golpe na prática do debate.
Enquanto a economia ia bem, o governo tinha um maior poder de barganha. Os índices de aprovação eram as justificativas para ignorar os interlocutores que demonstravam alguma divergência de ideias. O governo ‘nadou de braçada’. Hoje, com a crise econômica, o feitiço virou contra o feiticeiro e o governo está provando do seu próprio veneno. Prova disso são os recentes panelaços que ocorrem quando da aparição pública das principais figuras ligadas ao atual governo.
Recentemente a presidente optou por não fazer o tradicional pronunciamento do Dia do Trabalho, em cadeia nacional, para não correr o risco de ser vítima de mais um panelaço, e mais uma vez ser rechaçada pelo público telespectador. Na semana passada, a presidente e o seu antecessor foram padrinhos de um casamento e, mais uma vez, foram vaiados pelo público. Na saída do casamento, o ex-presidente Lula chegou a declarar que “estava meio difícil sair na rua”. Já o juiz Sergio Moro foi ovacionado quando compareceu ao lançamento de um livro, e viveu momentos de celebridade, na última quinta-feira, em uma livraria de São Paulo.
Assim, começamos a observar algo inédito: um público que não se manifestava, hoje se posiciona de forma a não querer ouvir absolutamente nada do que o governo, ou o partido que o apoia, querem dizer. Reação frente a uma ação, ou mais um golpe no debate?
O perigo é seguirmos num caminho sem volta. Corremos o risco de interromper o desenvolvimento econômico, social, cultural e tecnológico por achar que estamos lutando numa guerra entre o bem e o mal. A sociedade é cada vez mais diversa, em todos os aspectos, e é inaceitável classificar ‘iguais e diferentes’ como ‘anjos e demônios’.

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