A CARTELIZAÇÃO DAS OBRAS PÚBLICAS

Por Osvaldo Martins Rizzo (*1950 +2010) - Na antiga Grécia, um discípulo do filósofo Sócrates chamado Platão propôs a teoria dos “preços justos”, que guiaria os mercadores nas operações comerciais – o primeiro modelo de concorrência perfeita baseado numa visão lógica como a das leis matemáticas.
Imagem: camacanbahia.com.br
No século XVIII, surgiu o conceito menos exato das “mãos invisíveis”, de Adam Smith, que teorizou de forma otimista as relações comerciais em mercados perfeitos de livre concorrência.
Coube a Antoine Cournot mostrar que tal teoria explica transações comerciais apenas em mercados com muitos agentes de oferta competindo entre si. Onde alguns participantes não competem, mas se compõem para fixar preços, tem-se um mercado imperfeito – um cartel.
O comportamento histórico dos mercadores é o de tentar burlar as regras, usando as brechas das leis para anular a competição, criando um cartel para repartir a demanda entre os poucos agentes de oferta que impõem preços mais altos, previamente combinados pelo grupo.
Quando a União revela a disposição de implantar o selo “ISO Antitruste”, para prevenir infrações à ordem econômica pela formação de cartel, e de alterar a Lei de Licitações e Contratos para, entre outras coisas, adequá-la ao uso da internet, tem-se a oportunidade de eliminar uma ameaça à livre concorrência: o dispositivo da pré-qualificação.
Criado pela própria Lei de Licitações, esse mecanismo vem sendo usado com intensidade na disputa pela contratação das obras públicas de maior porte. Por meio dele, a escolha do vencedor de uma concorrência pública passou a recair sobre o licitante que ofertar o menor preço, exceto nos casos em que o edital contemple as modalidades de concorrência da “técnica e preço” ou de “melhor técnica”, mais comuns nas contratações de serviços de consultoria e projetos de engenharia.
O uso indiscriminado da pré-qualificação deveria merecer mais atenção dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, pois pode estar sendo usado como uma brecha da lei para legitimar a eventual prática do “cartel por licitação” – ou por grupo de licitações do mesmo tipo –, facilitando o ilegal acordo prévio entre os participantes para elevar o preço ofertado e causar prejuízo ao Erário, que acaba pagando mais para obter o mesmo bem.
Diferentemente da modalidade mais empregada, o certame que adota a pré-qualificação permite ao proponente conhecer quem são seus concorrentes habilitados antes de ofertar o seu preço, um tentador convite à celebração do acordo prévio de participantes para aumentar o valor proposto, fraudando o processo e viciando a concorrência.
Com a vigência, nos últimos anos, do ajuste fiscal para a obtenção de superávits primários, a capacidade de investir do setor público foi reduzida, assim como a sua parcela na demanda total pelos serviços de construção. Em 1.998, para ilustrar, quando o arrocho fiscal vigorou apenas no último bimestre, mais de 60% do total das vendas do setor foram para o governo, porcentagem que caiu para bem menos de 50% nos anos seguintes.
A exigência de equilíbrio orçamentário da Lei de Responsabilidade Fiscal, que basicamente obriga o corte de investimentos diante da ameaça de déficit, completou o quadro de austeridade fiscal que reduziu os gastos com obras públicas. Com a demanda menor, acirrou-se a concorrência e o setor público vem pagando menos pelas obras, beneficiando-se da queda acentuada dos preços praticados (a valores correntes).
A desmedida adoção da modalidade de pré-qualificação em licitações pode anular esse fator que contribui para a obtenção do equilíbrio das contas públicas, além de facilitar as diversas formas de corrupção. Segundo levantamento da organização não-governamental Transparência Internacional, a corrupção é o maior problema do setor da construção em todo o mundo, superando até mesmo o índice que afeta a indústria de armamentos.


O presente artigo foi originalmente publicado em 22/06/2005 no site Congresso em Foco. Clique aqui para acessar a publicação original.

Comentários