EM BRASILIA, ENTRE 19HS E 22HS

fonte: Twitter.com/avozdobarsil
Por Danilo Rizzo - Nosso país é cercado de contradições imensas, onde passado e presente se misturas numa convivência hora harmônica, hora conflituosa. Sobre essa temática, portanto, eu poderia incluir inúmeros exemplos desse conflito, mas vou pegar carona nos fatos e comentar a respeito de algo tangível a grande parte da população, A voz do Brasil.
O programa foi criado literalmente no século passado [meados da década de 1930], e a intensão de seu autor, Armando Campos, era claramente doutrinar a massa, divulgar à população as ideias e ações [positivas, é claro] do então governo Vargas. Getúlio Vargas por sua vez, gostou tanto da ideia que em 1938, tornou a coisa obrigatória.
Lendo um pouco sobre a história do programa de rádio do Governo, foi impossível não relacionar A voz do Brasil aos acalorados e cativantes discursos radiofônicos do chanceler tedesco Adolf Hitler no período conhecido como ‘entre guerras’. Lá, a intensão era resgatar a autoestima da população alemã, nação devastada e humilhada na 1ª Guerra Mundial.
Muitos anos já se passaram, o país atravessou duas ditaduras [oficiais], perdeu e ‘reconquistou’ a democracia algumas vezes, destituiu presidente, através momentos de estabilidade, progresso e hiperinflação, e o nosso programa de rádio preferido, como um gladiador imortal, nos acompanha desde sempre. Imortal como alguns políticos, A voz do Brasil nos atrapalha todos os dias, pontualmente às 19hs... provavelmente seja a única instituição federal pontual.
Já ouvi e li incontáveis manifestações de verdadeira adoração ao programa. Ouvi inclusive absurdos do tipo: “A voz do Brasil é um patrimônio nacional”. Me pergunto por que é um patrimônio nacional? Por que toca ‘O Guarani’? Nada tenho contra o maestro Carlos Gomes, mas pobre da nação que considera um programa de rádio da ditatura, criado para doutrinar seus cidadãos, como patrimônio nacional. Ou será que temos que louvar o programa por ele constar no Guiness Book como programa de rádio mais antigo do país. Desculpe mas não me orgulho disso, ao contrario, me da náusea.
Como nem tudo são cinzas, discute-se desde 2003 [isso mesmo], a flexibilização do programa governamental, que permitiria às emissoras de rádio retransmitam-no entre 19hs e 22hs. Nesse sentido, recentemente [5/2/2013] foi apresentado requerimento que pede a inclusão do Projeto de Lei nº 595/2003 na Ordem do Dia para votação na Câmara dos Deputados.
Em meio a declarações do tipo "O jargão ‘em Brasília, 19 horas’ garante a unidade nacional", "Lamentavelmente ganha o lobby da comunicação, dos parlamentares que possuem rádio e perde a sociedade" e "O PT não é contra. O PT vai discutir. Eu sou contra. Quem não quiser ouvir bota um CD. Pobre gosta de ouvir. Querem o horário nobre para ganhar dinheiro com publicidade? Por que flexibilizar? Flexibilizar é para acabar", fato é que realmente a ideia de flexibilização deverá prevalecer.
Na verdade essa flexibilização não é novidade em algumas capitais do país. Desde a década de 90, liminarmente, há algumas emissoras de radiodifusão que retransmitir A voz do Brasil em horários alternativos, desde que no mesmo dia. As liminares se baseiam na justificativa de que as cidades grandes passam pelo "rush" no trânsito, e são necessárias informações das condições do tráfego, mas ao melhor estilo ‘nada é levado a sério nesse país’, parte [para não dizer a maioria] das emissoras que conseguiram tais liminares ocupam o horário com programas que pouco ou nada tem haver com trânsito e prestação de serviço.
O programa pode ter tido seu valor em épocas passadas, mas hoje é nada menos do que um rabo da ditadura entre nós. Os índices de audiência que as emissoras atingem durante a transmitem são insignificantes, logo essa, a audiência, não é justificativa, contradizendo o nobre deputado que declarou que pobre gosta de ouvir. Alias, me perturba saber que há empregados do cidadão que creem que A voz do Brasil traz ‘unidade nacional’. Nobre deputado, elevar o senso de nacionalismo não apenas nos anos de Copa do Mundo traz unidade nacional, combater a corrupção traz unidade nacional, não eleger ‘fichas sujas’ para presidentes da Câmara e do Senado e eliminar o voto secreto nas casas legislativas, isso sim traz unidade nacional.

Comentários