Por Gerson Moyses - Vivemos a era da mediocridade, e por que também não dizer, a era da esperteza e da safadeza. Na última década, principalmente, nossos governantes nos deram os piores exemplos possíveis sobre como atuar na vida pública. E isso acabou sendo replicado, e se generalizou para os mais diversos setores da sociedade. As regras e as normas foram por água abaixo e o vale-tudo, o improviso e a maquiagem emergiram. Vou usar três exemplos distintos, recortados do cotidiano, para tentar ilustrar essa hipótese.
1) No simples fato de alguém furar uma fila, o ‘furador’ deve achar que tem o direito de fazê-lo, e ai de quem tentar impedir! Corre o risco de ser agredido, pois hoje tudo se ganha ‘no grito’! Isso acontece porque qualquer tipo de oposição é levado para o lado pessoal e é reprimido severamente. E o pior: o agressor fica impune, pois ele é visto como ‘fruto da sociedade’, e quer seus desejos atendidos a qualquer custo. Assim, quem aguarda pacientemente seu lugar na fila é visto como ‘bobo’ ou ‘trouxa’.
2) Um camelô que monta sua barraca na calçada sem qualquer cerimônia, está usando o espaço público indevidamente. Ele vende seus produtos, não recolhe impostos e gera uma concorrência desleal com seu vizinho, o lojista que tem custos fixos e variáveis de todos os tipos. O patrimônio público é cada vez mais utilizado para atender as necessidades e os desejos pessoais e particulares. Não importa se uma empresa estatal ou um ministério são loteados por um político, se um estado ou uma cidade são dominados por uma família, se uma calçada é indevidamente invadida por mesas de um restaurante, ou se a barraca de um camelô é montada numa praça, a motivação é a mesma: o público acaba sendo usado como privado, e a certeza equivocada de que no espaço público pode-se fazer o que quiser.
3) A prática da cola é comum nas escolas. A grande maioria dos alunos se utiliza desse artifício para conseguir boas notas nas provas. E ao professor cabem as seguintes ações, caso perceba o fato: fingir que não viu ou punir o aluno. Se não há apoio institucional, dificilmente o professor adotará alguma punição. Se ainda assim o aluno tirar notas baixas, ele terá inúmeras chances para melhorar sua nota, independente do seu conhecimento. Essas ‘maquiagens’ existem para que os resultados, forçadamente, saiam como os desejados. E isso acontece no sistema educacional, e mais recentemente na contabilidade do governo, entre muitos outros exemplos. Ao invés de corrigir o erro, ajusta-se a régua.
Hoje se desdenha da importância do conhecimento profundo acerca dos diversos temas e pouco se aprecia a ética. O improviso, a desorganização e a malandragem passaram a ser valorizados e até confundidos com ‘criatividade’. E o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico só acontece realmente a partir do respeito pelas regras, do planejamento, da pesquisa, da leitura, da análise, do debate, da reflexão e da aplicação prática. A disciplina deu lugar ao ‘jeitinho’. A despolitização, a ausência de ideologia, o abandono dos valores republicanos foram substituídos pelos interesses pessoais imediatos. As soluções, quando existem, são corretivas, provisórias e contingenciais. A falta da cultura do planejamento é percebida nos governos, nas empresas, nas famílias e nos indivíduos. Planejamento só existe no discurso ou nas promessas de ano novo, e raramente se concretizam. Poucos são os que se preocupam com os riscos e se preparam para o futuro.
Após a estabilização econômica, o País teve uma grande chance de avançar, devido principalmente ao crescimento da economia chinesa, à valorização das commodities e ao crescimento dos países emergentes. Vou usar uma metáfora: tínhamos o avião com o tanque cheio e a pista pronta para a decolagem. Mas ao invés disso, preferimos fazer uma festa no aeroporto, regada a muito consumo e pirotecnias diversas, e com convidados rigorosamente escolhidos a dedo! Gastamos muito dinheiro. A festa acabou e perdemos a chance de decolar o avião, por conta do interesse pessoal e imediato. Então, quem teve que sair da festa achou ruim! E mais uma vez o vale-tudo, o improviso e a maquiagem se sobrepuseram ao planejamento, à disciplina e à ética. Assim, a construção de um futuro, a partir de um novo patamar, novamente ficou para depois.
É urgente mudar esse quadro, sob a o risco de pagarmos ainda mais caro por isso – vejam os exemplos da Venezuela e Argentina. Não espero que essa iniciativa venha dos governos, quaisquer que sejam, pois como bem disse Danilo Rizzo, ‘não há virgem no puteiro’. Infelizmente hoje estamos num beco sem saída.
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