QUEM ESTÁ NO COMANDO?

Por Gerson Moyses - Esse artigo levanta a discussão sobre o poder de comado do cérebro sobre nossas percepções. Ele nos impõe suas decisões, mas faz com que tenhamos a percepção de que estamos no comado. O texto é uma compilação de trechos do livro ‘A ilusão da alma’, de Eduardo Gianetti, editado pela Companhia da Letras. Recomendo fortemente essa leitura para quem busca possibilidades (muitas vezes) impensadas, mas fascinantes e até mesmo libertadoras. 
Na sociedade arcaica, muitos fenômenos, hoje muito bem entendidos e explicados, eram considerados fatos sobrenaturais, promovidos por deuses, demônios ou outras forças ocultas. Um exemplo é o arco-íris. O que significava aquele espantoso, magnífico e belo sinal? O que aquela aparição anunciava? Havia um pote de ouro no final? Acreditava-se inclusive que Íris (a mensageira da deusa Juno) vinha dos céus para a terra caminhando por esse arco. Ora, Newton acabou com a beleza poética e misteriosa do arco-íris reduzindo-o à simples e corriqueira passagem da luz por um prisma, ou seja, luz branca refratada. 
Ainda nessa linha de pensamento, lembro que a soberba humana sofreu sucessivos golpes ao longo da história. Achava-se que a Terra era o centro do Universo, mas Galileu Galilei refutou essa hipótese (e foi excomungado por causa disso). Já foi consenso que o homem foi criado ‘a imagem e a semelhança de Deus’, mas Charles Darwin propôs a teoria da evolução, e provou que somos o resultado de um processo evolutivo. Ora, então quem sou eu? Sou um entre sete bilhões de pessoas, num planeta na órbita de uma das 100 bilhões de estrelas da Via Láctea, que é uma das 100 bilhões de galáxias do universo. Para o universo sou insignificante. 
Da mesma forma que o mundo exterior vem sendo observado e desvendado por equipamentos sofisticados, o mundo interior começa a ser monitorado por meio de microscópios e tomógrafos, entre outros. Daí pode estar vindo o próximo golpe: nossa percepção sobre tudo o que acontece (inclusive nossas vontades e nossas decisões) é o apenas o resultado de ligações químicas e correntes elétricas do cérebro. Ora, temos cerca de 100 bilhões de células nervosas (neurônios) interligadas por 60 trilhões de conexões (sinapses). 
Na verdade, o mundo que percebemos é muito diferente do que de fato é. Vejamos alguns exemplos. Quando se passa suavemente uma pluma na sola do pé, sentimos cócegas (isso só existe na experiência subjetiva de quem a sente). O que realmente existe é a fricção dos átomos da pluma com os átomos do pé, gerando um fluxo de átomos que percorre a ligação nervosa que existe entre o pé e o sistema nervoso, que produz a agitação dos átomos no cérebro, fato esse convencionado como ‘cócegas’. Outro exemplo é que quando uma determinada área do cérebro é estimulada propositalmente por pulsos elétricos, o paciente que a recebe experimenta a real sensação de que está levando uma picada de alfinete. Muitos outros exemplos podem ser citados, mas os que vêm a seguir são fundamentais para a conclusão desse texto: o registro eletroencefalográfico do que ocorre quando um paciente toma a decisão de levantar o dedo, revelou que o processo neurológico desse ato tem início cerca de três décimos de segundo antes desse paciente ter ciência da intenção de executá-lo. Ou seja, é como se o cérebro soubesse, antes do paciente o que ele está prestes a fazer – e, além disso, o cérebro faz o paciente pensar que tomou a decisão de levantar o dedo. Vejam o outro incrível exemplo. Imagens obtidas por meio de ressonância magnética mostraram que diante da possibilidade de alguém decidir por efetivar ou não uma compra, duas áreas do cérebro competem e disputam o controle da ação. Uma delas é a que gera a sensação de desconforto e desprazer, e a outra a que gera a sensação de satisfação e gratificação. Então é possível prever com segundos de antecedência qual será a decisão, verificando qual das áreas concorrentes está mais ativa. Ou seja, enquanto o freguês hesita e pondera se vai ou não comprar, o cérebro já tem a resposta. 
Podemos estar tão equivocados sobre nós mesmos quanto o homem arcaico se encontrava equivocado no que pensava sobre o arco-íris, entre muitos e muitos outros fenômenos naturais. Pode inclusive não existir o chamado livre arbítrio. E mais, a morte é provavelmente o simples desligamento desse sistema. E o que encontraremos após o fim? ‘Um grande e absoluto NADA!’ (como diz o sensacional Antônio Abujamra). 
E essa história não é tão nova. Vejam o que propôs Hipócrates, há 2500 anos. “Os homens têm que saber que é do cérebro, e tão somente dele, que surgem nossos prazeres, alegrias, risos e divertimentos, bem como nossas tristezas, dores, pesares e lágrimas. É por meio dele, em particular, que somos capazes de pesar, ver e ouvir, e de distinguir o feio do belo, o mau do bom, o prazeroso do desprazeroso. É no cérebro ainda que se dão a loucura e o delírio, assim como é ele que inspira temores e medos à noite ou de dia, que causa a insônia e o sonambulismo, pensamentos que não vêm, deveres esquecidos e excentricidades. Todas essas coisas de que padecemos provêm de uma condição enferma do cérebro; ele pode estar mais aquecido ou mais frio do que deveria estar, ou úmido ou seco em demasia, ou em algum outro estado normal.” 
A ideia é tremenda, mas basta um silogismo para resumi-la: 
  • As leis que regem o mundo são independentes da minha vontade (Premissa maior). 
  • Minha vontade é fruto das mesmas leis que regem o mundo (Premissa menor). 
  • Logo, a minha vontade é independente da minha vontade (Conclusão).
Se as premissas são verdadeiras, então a conclusão é incoercível!

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